Mantenha o seu trabalho fixo

Ilustração: Karolis Strautniekas
Desde que entrei no mercado de trabalho ouvi e li muito sobre trabalhar com o que você gosta de fazer e de como isso deveria ser o objetivo de qualquer pessoa.
Viver do que você ama é um cenário ideal mas não tá fácil. Eis, então, o que eu aprendi quando resolvi ganhar dinheiro com aquilo que eu tinha mais tesão de fazer: desenhar.
Quando decidi que queria ser ilustradora, eu trabalhava fixo como designer editorial oito horas por dia – e a noite desenhava em casa. Não era fácil, tinha dias que eu estava muito cansada, mas sabia o quão importante e gostoso era fazer meus projetos pessoais mesmo depois de um dia árduo de trabalho.
Eu me sentia inspirada, conectada ao meu trabalho (e a mim mesma) e tranquila, porque o trabalho fixo pagava minhas contas diárias e eu conseguia deitar minha cabeça no travesseiro sem angústia e dívidas nenhuma.
De repente, senti que queria ter mais tempo para o meu desenho e pedi demissão. Continuei trabalhando mas como designer freelancer, ora fixa, ora em casa. A minha renda continuava sendo mais ou menos a mesma e eu tinha mais tempo pra criar os meus projetos.
Mas em algum momento no meio do caminho, comecei a achar que não estava sendo uma verdadeira ilustradora por não trabalhar 100% do meu tempo com isso. Por não viver com 100% da renda que esse trabalho me dava. Sentia que eu não estava fazendo certo e resolvi parar de trabalhar como designer e ser só ilustradora.
Foi um tempo difícil.
Eu havia acabado de entrar no mercado. Só algumas pessoas me conheciam, os valores que pagavam eram baixos e não tinha muito trabalho.Pra pagar as contas, comecei a pegar todo o tipo de ilustração que vinha pela frente. Alguns trabalhos pagavam muito pouco pela quantidade, outros pagavam bem mas eram chatos e os prazos eram curtos.
Comecei achar aquilo um saco, me sentia muito desmotivada e cada vez menos inspirada.
Sentia um pouco de raiva do meu desenho: “Como assim você não está me bancando? Esse não era o cenário ideal? Isso não é como eu tinha sonhado.Você precisa me sustentar.”
“Você precisa me sustentar”. Quando essa frase chegou a minha cabeça percebi que tinha me perdido completamente no meio do caminho entre amar o que eu gostava de fazer e colocar uma responsabilidade enorme sobre ela.
Conversando sobre isso com uma amiga, ela me indicou o livro A Grande Magia da Elizabeth Gilbert. Li e um dos capítulos falava exatamente sobre o momento que eu passava.
Cheguei a conclusão que pra deixar minha criatividade livre e segura eu deveria cuidar dela. Se eu a amasse tanto, eu tinha que sustentá-la e não o contrário.
A minha criação era tão importante que eu deveria estar disposta a fazer qualquer sacrifício por ela, mesmo que isso significasse trabalhar nos finais de semanas e de madrugadas.
Voltei a trabalhar com design e ilustração ao mesmo tempo. Comecei a ter mais dinheiro. Voltei a morar sozinha e mesmo na crise consegui juntar mais dinheiro do que antes.
Não vou te dizer que ter essas mil atividades seja fácil – ainda mais eu que sempre invento uma coisa nova pra fazer –, mas faço tudo livremente, com tesão e sem preocupações.
Hoje percebi o quanto eu estava sendo boba em pensar que ter não uma renda vinda 100% da ilustração me fazia menos ilustradora e menos artista.
Claro que cada pessoa tem um objetivos e preocupações diferentes na vida. Talvez a liberdade financeira não seja tão fundamental pra você. Mas pra mim, essa liberdade significa liberdade na minha arte – e é isso que eu busco nas minhas criações.
Por isso, se você se sente como eu, o conselho que te dou é: tenha um trabalho fixo até que que você possa se sentir segura financeiramente e poder realmente só trabalhar com suas criações em tempo integral. O segredo é você ter um trabalho que você goste e que te permita ter energia o suficiente pra você criar no seu tempo livre.
Texto baseado em Grande Magia – vida criativa sem medo, Elizabeth Gilbert. Editora Objetiva. R$ 29,90
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